Wednesday, April 18, 2012

TEM SUBSTITUIÇÃO NO CEMITÉRIO: SAI TUPAC, ENTRA MÚSICA MODERNA

Olá, caros amigos!

Errático pela própria natureza, esse blog volta à vida de súbito. O heroico desfibrilador foi um fato deste fim de semana, fogo fátuo do deserto Colorado (da Califórnia) – a ressurreição de Tupac, uma paradoxal bala de prata na música moderna. Acho até que um pouco do minguado sangue do baleado espirrou no estado e forma atuais dos festivais de música.

Para quem não viu, o vídeo abaixo explica o ocorrido – para turbinar a apresentação de um Snoop Dogg que leva o fim de carreira com a mesma energia de Túlio Maravilha buscando o milésimo gol, a organização do Coachella Music & Arts Festival trouxe Tupac dos mortos em versão holográfica (obra da empresa AV Concepts).



Interessante à primeira vista, sem dúvida. Me pareceu bem feito, e deve ter sido ainda mais impressionante ao vivo. Entretanto vejo algo de errado e sintomático em apelar para o fantasma de alguém que morreu há 16 anos, sobretudo num palco que já tinha Dr. Dre e a participação especial de 50 Cent, Eminem e Wiz Khalifa. Tudo bem que era quase um time de Show Ball com participação especial do Neymar, mas precisava ir além e forçar a escalação de um Garrincha virtual? Apesar de cansado, era um lineup que ainda coloca qualquer fã de hip-hop para pular, com ou sem holograma...

Para vosso humilde colega, a resposta é sim - precisava. E alguns motivos me vêm à cabeça...

A democratização da produção e distribuição da música, a cada dia que passa, mostra a sua face cruel com mais clareza. A face doce é conhecida e me dá bom dia regularmente: a possibilidade de um compositor de talento turvo (como eu) produzir um disco inteiro sem sair de casa, gastando o mínimo em caros aluguéis de estúdio (até mesmo esses se tornaram mais baratos com a produção digital). Mas na mesma medida em que a plataforma de produção se popularizou, o bocal do funil também alargou e deixa MUITA coisa passar. E obviamente pouca coisa se salva, porque – Pollyannas me perdoem - a raça humana não se tornou musicalmente mais talentosa nos últimos anos, pelo contrário: é cada dia mais difícil inovar e ser autêntico em música popular.

Pois bem, essa massa de “bedroom artists” precisa comer, e mantra “só show dá dinheiro” já é bastante conhecido. Continuamos gastando tanto (ou mais) em música quanto já gastamos no passado, mas o share of wallet mudou: uma parcela maior é investida (ou usurpada, ao menos no país em que virtualmente todos são estudantes) em shows. E enquanto as lojas de disco são sepultadas sem marcha fúnebre, festivais proliferam-se a torto e a direito. Festivais viram McDonald’s, com franqueados hasteando orgulhosas bandeiras em diversos países. Ou você não viu os melhores momentos do Lollapalooza Argélia? Parece que o Khaled quebrou tudo...

Sim, eu sei que festivais não são nenhuma novidade, mas vamos a dois fatos rápidos:
- No ano em que Tupac Shakur morreu, 1996, não existiam Bonnaroo, Coachella, Bamboozle, Pitchfork e Sasquatch, festivais com uma proposta de valor virtualmente idêntica. Lollapalooza ainda era um evento exclusivo dos EUA.
- Woodstock (o original), teve 32 artistas em 4 dias de festival; Sasquatch 2011 teve mais de 90 atrações também em 4 dias, número quase igual à edição 2012 do Coachella.

Sobre o Coachella 2012, a semente indireta deste texto, um detalhe importante: são mais de 90 atrações multiplicadas por dois fins de semana da mesmíssima coisa, no que deve ser a maior encenação a céu aberto do filme O Feitiço do Tempo (Groundhog Day, 1993) na história do homem. Por um lado, a louvável preocupação em evitar a superlotação e preservar a qualidade deste bem executado produto; por outro, a ganância. E envolvendo os dois lados desse dólar, a triste realidade que não existem mais momentos únicos e memoráveis nestes festivais em que o que vale mesmo é ter ido, e não ter ouvido. Como li noutro blog por aí, “festival virou micareta”. Bem dito.

E dado que estas 90 e tantas atrações são flácidas como as apresentações de Foster The People na loja Cidade Jardim do Lollapalooza 2012, resta ressuscitar os mortos e torcer para que eles, ironicamente, tragam um sopro de vida para esse lamentável momento da música em que todo mundo fala e ninguém escuta.

Para não encerrar o post com um gosto tão amargo na boca, deixo uma dica digna do saudosista que sou: o app Wolfgang’s Vault (para iPhone), focado em históricas performances ao vivo de gêneros como rock, blues e jazz. O app é frequentemente atualizado com incríveis shows na íntegra e playlists temáticas muito interessantes, constituindo um pacote irresistível para quem quer (re)descobrir coisas da época em que o cara tinha que ser MUITO bom para ter seu nome impresso no vinil.

Até logo!

Wednesday, October 26, 2011

FUNK DE PRIMEIRA: Nils Landgren e Baker Brothers

Olá!
O post de hoje consiste na rápida análise e recomendação de dois discos que descobri muito recentemente. Ambos têm raízes semelhantes – soul, funk, jazz – e acabam sendo um prolongamento natural da última publicação deste humilde blog, a playlist que explorava o meu entendimento das raízes do Jamiroquai.
Nils Landgren Funk Unit - “Funk For Life”


É o ultimo e excelente disco do cultuado trombonista sueco, e foi lançado em 2010. Nils gravou seu primeiro álbum em 1983 e já participou de inúmeros trabalhos para artistas de ABBA a Wyclef Jean, incluindo Herbie Hancock e The Crusaders (estes valem um post exclusivo).
Além de bom som, o Funk For Life é um instrumento de engajamento em favor da organização Médicos Sem Fronteiras, na qual o afilhado de Nils atua como médico. A cada álbum comprado, 1 euro é doado para a atuação da MSF em Kibera, no Quênia. Por isso os títulos das faixas frequentemente acenam para o continente africano.


O disco todo é mergulhado no funk, com momentos de menção ao acid jazz (“Mag Runs The Voodoo Down”) e anda marcado pelo trombone de Nils e pelas excelentes linhas de baixo em igual medida – o ponto alto deste duo está na melhor faixa do álbum, a instrumental “Dry”. É uma trama com muito groove sem saturação, “deslize” comum em discos tão carregados no gênero consagrado por James Brown. Para quem precisa de uma trilha sonora esperta e (felizmente) esqueceu seus CDs de chill-out em 2002, “Funk For Life” é uma excelente pedida. Vale pagar e baixar!

Baker Brothers – “Bakers Dozen”


Este disco não foi minha porta de entrada para os Baker Brothers, mas é aquele que mais achei interessante e palatável – e muito se deve à participação generosa e especial da vocalista Vanessa Freeman (que também aparece brevemente na abertura do disco “Avid Sounds”, de 2009 e é considerada “part-time member”). Vanessa já cantou também com o bom Kyoto Jazz Massive.
A competente Vanessa Freeman
No "Bakers Dozen" (título que brinca com o filme de Steve Martin e sua penca de filhos), ela quebra o transe funk dos Baker Brothers, a tal saturação mencionada no review acima e que frequentemente torna os discos do gênero um tanto maçantes. As doses de Freeman valorizam as jams instrumentais do restante do trabalho, criando espaços exclusivos e modulando as 13 faixas desse disco de 2008.
Nos momentos em que a vocalista aparece temos canções, começo meio e fim, e um bom verniz pop que remete muito ao agradável som dos ingleses do Brand New Heavies. A distribuição destes momentos no álbum é feliz, como no par “What You Do Is Right” e  “Walk Into My World”.

Caso o som tenha interessado, recomendo ainda algumas faixas do já mencionado Avid Sounds: 
- “Family Tree”, com Vanessa Freeman
- “If You Want Me To Stay”, ainda que eu prefira a tosca versão do Red Hot Chili Peppers. A original é de Sly and The Family Stone e tem um dos meus baixos favoritos de todos os tempos.
 “Street Player”. A original, do Chicago, tem mais de 9 minutos e é uma aula de como arranjar metais.  Essa vocês reconhecerão das pistas, culpa do Daft Punk.
Espero que gostem e descubram ainda mais coisas interessantes!

Monday, October 10, 2011

PLAYLIST: AS ORIGENS DO JAMIROQUAI, UMA AULA DE FUNK E SOUL


Quem me conhece sabe que tenho muito mais prazer em “descobrir” bandas velhas do que antecipar “the next big thing”, pois tenho uma grande suspeita de que tudo de relevante no espectro pop já foi feito anos atrás e que hoje (um hoje retórico) vivemos um grande reprocessamento.  Então enquanto o tempo não me prova estar errado, olho para as bandas das últimas duas décadas com os olhos de um arqueólogo ou biólogo - busco fazer o carbono-14 da coisa toda, abro o sapo para ver de onde veio tudo aquilo na esperança de encontrar alguma jóia ou vertente saborosa.
A playlist de hoje explora o que (na minha leitura) é a gênese do Jamiroquai, banda que começou muito bem com três excelentes discos até se perder em brigas internas que devastaram a formação original, conflitos quase sempre alimentados pelo monumental ego de Jay Kay. Em se tratando dessa banda, olhar para o passado e para suas raízes talvez seja o único alento, a esperança de dias melhores e de um amadurecimento mais feliz e criativo por parte do notório amante de carros e vinhos caros. A banda de hoje não tem tesão nem inspiração, se arrastando em shows mornos pelo mundo.

Jay Kay, vocalista do Jamiroquai, fazendo um esquenta para o show do Rock In Rio

Na seleção abaixo que vocês poderão ouvir ao fim do texto, trabalhei em dois pilares: a cena Acid Jazz inglesa de onde despontou o Jamiroquai e as raízes americanas de soul, RnB e funk que formam o grosso da educação musical de Jay Kay. Há muita coisa boa que merece ser explorada; eu particularmente acho que a lista ficou SENSACIONAL, mas eu sou suspeito para falar!
Acid Jazz
O Acid Jazz nasceu na Inglaterra na virada da década de 80 para 90, gênero híbrido de jazz, funk, soul e hip-hop baseado num revival de raridades destes estilos promovido por DJs como o francês Gilles Peterson – a quem é atribuída a criação do termo que batizou a cena. Gilles, figura importante da Radio 1 da BBC, inclusive criou os selos Acid Jazz e Talkin’ Loud, que foram as “powerhouses” do gênero ao lançarem bandas dentre as quais se destacam Brand New Heavies (comercialmente) e Incognito (artisticamente). Mas o primo rico dessas bandas acabou sendo o Jamiroquai, um dos poucos representantes da cena que “escapou” das mãos de Peterson e assinou com um selo menor da Sony Music para lançar seu debut de 1993 (Emergency On Planet Earth).

Gilles Peterson, o pai do Acid Jazz

Na playlist você ouvirá Corduroy, banda de ingleses fissurados em velocidade (como Jay Kay) e que inclusive gravaram uma música chamada “Ayrton Senna”. Incluí também a face mais pop do Acid Jazz (Brand New Heavies), e o gênio do estilo, Jean-Paul Maunick, líder e mentor do Incognito. Bem que Jay Kay poderia se inspirar na longevidade altamente criativa deste verdadeiro mestre do groove. Para abrir esse bloco, escolhi uma das minhas raridades favoritas: Esperanto com a “carioca” Sweet Feelings.
Gênese
Nesta segunda parte da playlist, explorei as grandes influências do Jamiroquai – algumas delas expressamente admitidas através da excelente Late Night Tales, série de coletâneas nas quais determinados artistas abrem seu baú particular de influências. Deste disco, destaquei feras como Leon Ware, produtor de discos clássicos como “I Want You” (chart topper de Marvin Gaye) e Maxwell’s Urban Hang Suite. Ware é também um grande compositor do RnB e tem uma belíssima voz que inclusive foi emprestada a um disco recente do já mencionado Incognito.
Criador e criatura

Outros artistas que incluí são o meu palpite daquilo que constitui a árvore genealógica de Jay Kay: monstros da música negra dançante como Lamont Dozier, Ramsey Lewis e o padrinho do Acid Jazz, Roy Ayers. Para mim, um dos destaques da seleção é “Summer Madness”, do Kool & The Gang, que é o claro combustível para a minha música favorita de toda a carreira do Jamiroquai - “Blow Your Mind”, do álbum de estréia. A seleção deixa claros os dois momentos preponderantes da carreira da banda inglesa, a fase “jazzy” e a fase “disco” (como na faixa que fecha a playlist, do Kleeer).
Enfim, eu poderia escrever por horas sobre cada um destes artistas, mas o que vale mesmo é você escutar, achar seus favoritos e se possível fazer paralelos entre estas faixas e a obra da banda homenageada de hoje.

Saturday, October 8, 2011

DVD Review: Heart of Gold, Neil Young (2006)

Olá jovens!
Não, o blog não morreu, só deu uma viajada por aí e voltou para a realidade muito recentemente. Esse post é um protesto ao vizinho animal que passou a tarde toda ouvindo eletrônico de péssima qualidade em volume altruísta. Meu protesto é ligar o noise cancelling e escrever sobre música DE VERDADE.
O texto de hoje é para recomendar um DVD que tem lugar de destaque em minha coleção: “Heart of Gold”, show de Neil Young no mítico Ryman Auditorium, tempo da country music em Nashville. Na verdade, o apelido mais acurado é “The Mother Church of Country Music”, dado que a casa aberta em 1892 teve seus primeiros dias embalados por música gospel.


Entre 1943 e 1974, o Ryman abrigou o Grand Ole Opry, show semanal de música country e comédia que existe desde 1925, sendo transmitido via rádio e gravado na frente do público. Este estandarte da música e cultura americanas já teve a participação de ícones do gênero como Hank Williams, Patsy Cline, Dolly Parton e o quatrocentas-vezes-platina Garth Brooks - toda essa história naturalmente contagia o Ryman Auditorium e o abençoa com um ar quase sagrado. 
The Ryman Auditorium, Nashville, TN
Por conta disso, o local do concerto passa a ser um personagem importante no filme, notadamente na canção “This Old Guitar”: a humilde música, que traz versos como “this old guitar ain’t mine to keep, it’s mine to play for a while”, fala provavelmente sobre o violão Martin ano 1951 adquirido por Neil Young e que é utilizado durante a maior parte do show. Segundos antes de iniciar a música, Young lembra que aquele mesmo instrumento esteve no Ryman há mais de 50 anos no ombro de Hank Williams, e olha para cima em clara homenagem à primeira grande estrela do country.
The Mother Church of Country Music: até os bancos do Ryman remetem a uma igreja
Este não é o único momento sagrado da noite. Aos 65 anos de idade, o cantor e compositor canadense cria uma intimista celebração da prolífica carreira que começou a construir em 1960. Apesar de não estar vivendo seus últimos dias, Young ocupa o palco com amigos músicos de longa data (incluindo Emmylou Harris) e sua esposa Pegi, e o resultado é uma reunião com personagens tão singulares e afetuosos que a coisa toda soa como uma bonita homenagem post-mortem. É emocionante, profundo, “carinhoso” – e o melhor de tudo, o homenageado ainda está (bem) vivo.
No show, Young desfila seus clássicos como “Old Man”, “Heart of Gold” e “Harvest Moon” com precisão e classe, constituindo um registro de altíssima qualidade de alguns dos momentos mais especiais do trabalho que influenciou importantes artistas como Vedder e Cobain (que inclusive citou um verso de Young em seu bilhete de suicídio).
Camisa Xadrez de Flanela: qualquer semelhança com o estilo grunge é meia coincidência

O DVD ainda traz um segundo disco com atrações especiais como mini-documentários na companhia de Neil Young e dos músicos que o acompanham no show. Há inclusive a aparição de Young (em 1971) no Johnny Cash Show, cantando “The Needle And The Damage Done” na ressaca das mortes de Joplin, Hendrix e Morrison. Mas o meu favorito é o breve clipe em que o técnico de guitarras de Young abre o baú e mostra alguns dos instrumentos mais emblemáticos do cantor, como a Les Paul 1953 com vibrato Bigsby da foto acima.
Apesar de cultuado, Neil Young tem voz, intensidade, coragem e integridade que dividem opiniões de forma cristalina. Quando se trata dele, há apenas 3 grupos de pessoas - os que amam, os que odeiam e os que nunca ouviram. Se você pertence ao primeiro ou último grupos, esse DVD é uma peça importante, ou para reforçar a devoção ou para dar uma excelente oportunidade para julgamento consciente e consistente.

Friday, August 19, 2011

Gig Review: Steel Pulse no The Canyon

Jah rastafarize!
Depois de uma pausa mais longa do que eu gostaria de tirar, volto ao agradável ofício da escrita não-poética e desprovida de qualquer peso. Explico: a ausência se deve quase que integralmente aos esforços hercúleos para criar as letras do disco que gravarei ao final deste mês. Poesia é que nem corrida, natação...o corpo sedentário pede água, chora, mas no final chega lá.
E a retomada vem através do review do show do lendário Steel Pulse, que já tocou diversas vezes aqui no Brasil (recentemente na Virada Cultural). Já eu tive o privilégio insólito de vê-los num country bar em Agoura Hills (CA) com platéia caucasiana acima dos 40. Minha transgressão de ir ao show de regata ganhou tons ainda mais rebeldes em função da amostra demográfica. Ao sair de casa eu juro que achei adequado...lembrei dos anos de Ruffles Reggae e fui pra cima.

Infelizmente ESSA não estava à venda no balcão de merch dos caras...

The Canyon, a singela casa country que recebeu essa banda de Birmingham, abriu suas portas para uma jovem banda de Huntington Beach iniciar os trabalhos. Não me lembro do nome da molecada (cada um com 18 anos na cara, no máximo), mas seu esforço foi reconhecido pela paternal platéia, que deve ter achado aquilo bonitinho e familiar. E aí veio ao palco o quinteto fundamental do reggae.
Essa é pra galera do artesanato que ACHA que tem dreadlocks!

Steel Pulsefoi formado no meio da década de 70 na Inglaterra e só conseguiu agendar shows a partir do momento que o punk engajado de bandas como The Clash se tornou a bola da vez. Com sua própria agenda política, o Steel Pulse angariou bom público abrindo shows para o grupo de Strummer e Simonon, The Police e os jamaicanos do Burning Spear. Um ponto curioso do início da carreira do Pulse é o fato de que, para suportar a temática das letras, a banda fazia seus primeiros shows fantasiada de alguns arquétipos da sociedade britânica (como aristocratas e vigários). Fez todo sentido para uma banda cujo primeiro single para a gravadora Island se chamava “Ku Klux Klan”. Da vasta biografia dos caras, eu preciso destacar também o fato de que o Steel Pulse foi a primeira e única banda de reggae a tocar numa festa de posse de um presidente americano. Adivinha se o presidente não era aquele que “fumou mas não tragou”...
Pelo menos eles tiveram bom senso de tocar na posse de um democrata...
Enfim, o show do The Canyon mostrou que tem horas em que a experiência fala alto: os caras fizeram um ótimo show de ponta a ponta, com carisma e precisão. Mesmo eu, que sou um fã bastante específico de reggae (como dissecado em meu post sobre as vertentes do gênero), me rendi ao som dos caras e justifiquei a regata com todo o meu vasto repertório de raggamoves. Mas nada comparável ao suingue do Bell Marques rasta – Amlak Tafari rasgava o ar com seu baixo-planador mostrando muito peso e suingue.

No plano musical, os destaques não poderiam deixar de ser a pesadona Leggo Beast e o clássico Steppin’ Out. Abaixo, Steppin' Out em show de 2005 no Credicard Hall (ovacionados), Leggo Beast em áudio original e um trecho do show no The Canyon:







Por mais que o reggae seja musicalmente menos inventivo ou sofisticado do que outros gêneros, entendo que há muita coisa além de Bob Marley, coisa bastante boa e que fica ainda mais interessante ao vivo, quando o baixo bate na boca do estômago. Quem quiser explorar mais do gênero pode começar com Steel Pulse e resgatar minha playlist de vertentes do reggae, que publiquei aqui há algum tempo.

Keep it positive!

Sunday, July 31, 2011

Gig Review: Rooney no El Rey Theatre


Olá meus caros,
Depois de uma longa ausência, retomo os trabalhos deste blog. A vida tripla (trabalho, disco, blog) é agradável mas não fácil do ponto de vista de gestão de tempo.
Bem, o post de hoje é sobre o show que vi em 24 de junho no El Rey Theatre:

O El Rey por si só já merece algumas palavras. Trata-se de uma casa art-déco da década de 30 que iniciou suas operações como um cinema (sua fachada até hoje remete à função original) e foi sede de uma boate no início dos anos 90. Desde 1994 funciona como uma casa de espetáculos com personalidade, charme antigo e que proporciona excelente proximidade ao palco.

A chegada à porta da casa assustou pelo público que formava a fila: pré-adolescentes, alguns bravamente  acompanhados de seus pais, sugeriam que aquilo de fato ainda era um cinema e a sequência de alguma saga de vampiros contra lobisomens iria começar em breve. Dado que Rooney não é exatamente nenhuma novidade e sua carreira jamais chegou a decolar, aquilo fazia pouco sentido.
Eis que havia uma banda de abertura que parecia explicar um pouco daquela amostra demográfica. Ou melhor, segundo seu site, o Maniac é mais que uma simples banda, é um “projeto”. Pelo que vi, aquilo pode ser projeto de qualquer coisa, menos de banda. Uma dupla que já passou dos trinta, com um figurino “Russell Brand meets jovem caçador de vampiros” (provavelmente daí a identificação com o público teen), fez uma performance sofrível em termos musicais e cômicos. Não que eles quisessem de fato transformar aquilo num espetáculo de stand up comedy, mas as intervenções do vocalista principal eram um exercício malsucedido de carisma, com tons absolutamente infantis. Para resumir bem o martírio que foi assistir ao Maniac, me senti num sarau de ginásio quando aquela dupla que se acha engraçada leva suas peripécias para o palco. Takes one to know one: já fui uma dessas duplas!
Findo esse show de horror, subiu ao palco Rooney com seus 5 integrantes e 12 anos de vida. Essa banda de LA, que teve um pico de popularidade alavancado pela série The OC, lançou seu 3º LP no ano passado pelo selo California Dreamin’ depois de alguns anos de parceria com a Geffen.
Robert Coppola Schwartzman

A exemplo do Hellogoodbye, que já foi resenhado aqui recentemente, o Rooney também tem carreira pouco prolífica, sugerindo que o bem nascido galã Robert Coppola Schwartzman tem muito com o que se ocupar na ensolarada Los Angeles. São 3 LPs e um EP até hoje, com discreto êxito comercial apesar do competente pop rock feito pelo grupo. O som rico em refrões pop perfeitos, pegajosos e salpicado por boas harmonias vocais acena para a tradição californiana fundada pelos Beach Boys e para o be-a-bá (ou obladi oblada) dos Beatles.

O show de mais de uma hora de duração se dividiu entre faixas dos 3 LPs e mostrou uma banda muito competente no palco. Som de alta qualidade, carisma e presença de palco por parte de Robert e muito ego por parte do guitarrista Taylor Locke, que aposta no ar blasé e já teve seus enroscos com a atriz Mischa Barton - a ponta em The OC foi boa em diversos sentidos. O único um pouco fora de sintonia foi o baterista Ned Brower, que se arrisca nos vocais em uma faixa, visivelmente encorajado por sua ponta como vocal no EP Wild One (ele canta a faixa título com um timbre interessante). Em algumas faixas senti que a mão estava leve demais, faltou pegada para o cara. 
Taylor "Eu Me Amo" Locke

Mas talvez o ponto alto da noite, pelo menos para mim, tenha vindo da participação surpresa e mais do que especial de Brian Bell, guitarrista do Weezer – quem vos escreve já voou até Curitiba no meio de uma tarde de sábado para ver a banda e voltou em plena madrugada depois de ter a sorte de tirar fotos com toda a banda no aeroporto. Brian tocou apenas uma música, “Woman” de John Lennon, também uma das minhas favoritas de todos os tempos. Mas foi o suficiente.
Bell com Rooney tocando "Woman"

Terminado este belo show, ao esperar a casa (e o último copo) se esvaziar, tive a oportunidade de conversar um pouco com Brian Bell e com Robert Schwartzman, duas figuras bastante simpáticas.

Mais uma vez com Brian Bell

Para quem se interessou em conferir o som do Rooney, recomendo o segundo disco, “Calling The World”, de onde vem a faixa “Where Did Your Heart Go Missing”.


Abraços e até a próxima!

Wednesday, July 20, 2011

Novos Sons: O Black Dub de Daniel Lanois

Lanois e sua pupila Trixie Whitley 

Depois de dias finais caóticos na gloriosa LA, estou de volta ao Brasil e ao ofício da escrita recreativa. Hoje é para contar sobre o show da relativamente nova Black Dub, que aconteceu na casa The Music Box em Hollywood no dia 28 de maio de 2011.
Confesso que fui para o espectáculo sem sequer ter ouvido uma música desta banda formada por Trixie Whitley, Brian Blade, Daryl Johnson e o genial Daniel Lanois, sendo este último ogrande motivo da minha presença.
Lanois é o talentosíssimo produtor cartel pesado que inclui Neil Young, Willie Nelson, Peter Gabriel, U2 e Bob Dylan – com estes dois artistas, Lanois ganhou Grammy de melhor álbum do ano em 87 e 97 respectivamente. Esse canadense de 59 anos também gravou mais de 10 discos próprios dentre os quais destaco o excelente “Shine”, de 2003, um disco que sintetiza bem algumas das marcas estéticas registradas de Lanois – ambientação marcante, espaços amplos e excelente bom gosto no uso do reverb. Apesar de ter iniciado suas produções para o U2 como braço direito de Brian Eno, é fácil acreditar que Lanois tem muita culpa no cartório em relação a uma das guitarras mais inconfundíveis da história da música popular...

Pois bem, Lanois juntou gente da melhor qualidade nessa nova empreitada, o Black Dub, que lançou disco homônimo no ano passado. E com base quase integral nesse trabalho, a banda subiu ao palco do pitoresco The Music Box e seus afrescos perturbadores. Um clima barroco que encaixou perfeitamente com o “opening act”, o visceral Rocco DeLuca.
As luzes começam completamente apagadas até que sobe ao palco o dono de um dos nomes mais traiçoeiros que a música já viu. Esse nome que poderia fazer companhia a Stefano Di Monaco ou Enrico Caruso numa coleção de discos é na verdade um personagem pronto para qualquer road movie de qualidade. “Gasto” como um fracassado do meio-oeste americano, DeLuca vaga pelo breu até acender uma luminária à meia altura do pedestal do microfone, emitindo uma luz aparentemente tão fraca quanto seu amo. Mas não demora até os dois se provarem suficientes.
Com um dobro ligado a diversos pedais, DeLuca se apresenta sozinho e arrebata a todos com a intensidade de sua música e letras, alternando delicadeza e aridez quase inadvertidamente. O clima beira a loucura em alguns momentos nessa performance que, de tão singular e inesperada, me impediu de ouvir novamente estas canções fora de contexto.

Alguns minutos depois, já com o fôlego recobrado, recebi com aplausos o Black Dub e levei pouco tempo para concluir que os dias de Nina Persson como loira mais linda da música popular se acabaram. A incansável multiinstrumentista Trixie Whitley já valeu o ingresso sem sequer cantar a primeira nota. E quando o fez, revelou uma potência paradoxal a sua delicada figura, cantando com um soul muitas vezes exagerado – depois conferi o disco e nele a cantora soube controlar melhor sua força (nada como ter o velho Lanois ao lado para garantir o take certo). Inclusive, Lanois a aconselha durante o show, como um velho mestre que ainda não tem certeza sobre seu último pupilo.


Mas o grande destaque da apresentação é o baterista Brian Blade, que logo transparece seu background como músico de estúdio de lendas como Wayne Shorter e Herb Hancock. Blade é absurdamente técnico, inventivo e intenso, sendo um dos bateristas que mais me impressionou ao vivo. Levadas diferentes, viradas criativas e geniais – um show à parte.
E orquestrando talentos mais e menos crus, lá estava Lanois com sua Les Paul devidamente anabolizada por um delay que é marca registrada, cantando as excelentes músicas dessa empreitada que mistura funk, dub, blues e outros elementos da raiz da música americana. Vale conferir o disco para escutar algo diferente, fresco e de qualidade.